A geração dos atalhos e o risco de pular o essencial
Por Esther Cristina Pereira*
Vivemos na era dos atalhos. A tecnologia avança, o tempo parece cada vez mais escasso e, em nome da praticidade, muitos dos processos que antes envolviam esforço, convivência e aprendizagem foram sendo substituídos por soluções imediatas. Essa lógica tem se infiltrado em todos os aspectos da vida: nas rotinas familiares, nos cuidados com o outro e, principalmente, na forma como estamos educando nossas crianças e jovens.
No cotidiano, isso se revela de maneiras sutis: soluções que economizam esforço, mas também retiram oportunidades formativas. Atividades simples como cozinhar em família, arrumar a casa junto com os filhos, ensinar tarefas básicas do dia a dia, tudo isso vem sendo deixado de lado em nome da praticidade. Optamos por alimentos prontos, terceirizamos a organização da rotina, deixamos de transmitir saberes essenciais com a justificativa de que “não temos tempo”. Mas será que realmente não temos tempo? Ou apenas deixamos de atribuir valor a esses momentos?
É nas tarefas corriqueiras que se desenvolvem habilidades fundamentais: autonomia, paciência, convivência, responsabilidade. Quando tudo vem pronto, quando tudo é resolvido por alguém ou por alguma máquina, o corpo, o cérebro e as emoções deixam de ser estimulados. E esse empobrecimento não é abstrato, ele se reflete diretamente na forma como nossas crianças enfrentam desafios, lidam com frustrações e se relacionam com o mundo.
Na escola, os atalhos têm consequências ainda mais sérias. Estamos normalizando aprovações sem aprendizagem, promovendo estudantes sem domínio dos conteúdos, ignorando que cada etapa do processo formativo precisa ser vivida, e não apenas registrada no boletim. Crianças avançam no sistema de ensino sem saber ler ou escrever com segurança, tudo para que estatísticas fiquem mais bonitas e índices de reprovação desapareçam. Mas o que está sendo construído com isso? Que tipo de aprendizado se sustenta em cima de atalhos?
Há também os atalhos legais: pareceres, leis e diretrizes que são, muitas vezes, pensadas sem escuta da realidade escolar e aplicadas de forma genérica. A inclusão, por exemplo, não pode ser tratada como uma série de normativas prontas para aplicação imediata. Ela precisa de planejamento, escuta, estrutura e, principalmente, sensibilidade. Quando a legislação ignora isso, transforma um direito legítimo em uma obrigação mal compreendida — e todos perdem: estudantes, professores e famílias.
O que preocupa é que, muitas vezes, aceitamos esse modelo sem questionar, como se fosse natural que tudo se resolva rapidamente, com o mínimo de conflito. Mas educar exige tempo. Exige escuta, presença, constância.
A geração dos atalhos está crescendo com menos vivências concretas e mais respostas prontas. E isso está nos afastando da essência da educação, que é o encontro, o processo, o vínculo. Não é possível formar cidadãos conscientes, éticos e preparados para o mundo se continuarmos pulando etapas fundamentais do desenvolvimento humano.
Precisamos, como sociedade, resgatar o valor do processo. Se quisermos colher, no tempo certo, seres humanos mais conscientes, preparados e saudáveis, precisamos plantar com cuidado, paciência e intenção. O cuidado, a aprendizagem de verdade, assim como a educação dada pela família, são construções lentas, que exigem convivência, presença e respeito à complexidade da vida em comunidade.
*Esther Cristina Pereira é pedagoga, psicopedagoga, professora, diretora da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP) e diretora educacional do Instituto Destino Brasil.
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